May-Britt Moser, Prêmio Nobel de Medicina em 2014, na quarta-feira em Madri.
Foto: Carlos Rosillo
Publicado originalmente no site El País Brasil, em 28 SET 2018
“É difícil recuperar os neurônios da memória; é melhor
evitar que eles morram”
Cientista norueguesa foi uma das descobridoras do ‘GPS’ com
o qual nosso cérebro se orienta
Por Emilio de Benito
“Meu GPS cerebral está em apuros hoje”, ri a cientista
norueguesa May-Britt Moser (Fosnavåg, 1963), comentando a jornada cheia de encontros
e deslocamentos que a Fundação AstraZeneca organizou para ela em Madri – e na
qual se inclui esta entrevista. A referência aos sistemas de navegação e
localização é uma piada autorreferente: Moser, Edvard Moser (seu então marido)
e o norte-americano John O’Keefe partilharam em 2014 o prêmio Nobel de Medicina
por seus trabalhos com as células cerebrais que servem para a nossa orientação.
Os trabalhos premiados são de 12 anos atrás, mas a
pesquisadora continua atuando no mesmo campo. Com um acréscimo: “Encontramos,
em uma área irmã do cérebro, as células que determinam como se percebe o tempo,
por que às vezes ele passa voando, e às vezes parece eterno”, explica.
Ela salienta que seu laboratório se dedica à ciência básica,
a qual, se tudo correr bem, acabará chegando a um uso clínico. Mas, embora esse
não seja seu objetivo primordial, não se furta a especular sobre a utilidade de
suas descobertas. “Estudamos uma área muito importante para a navegação
espacial do hipocampo”, a zona do cérebro onde ela encontrou os neurônios
relacionados com a localização e o tempo. É uma região “fundamental no ser
humano, e, quando estas células morrem, perdem-se funções”.
A médica não acredita que aspectos tão básicos para o
indivíduo possam ser facilmente recuperados. A realidade nos hospitais de meio
mundo confirma isso. Quando uma pessoa tem Alzheimer, por exemplo, não há, ao
menos por enquanto, uma maneira de que volte a recordar o que esqueceu. Por
isso “é difícil recuperar os neurônios da memória; é melhor evitar que morram”,
afirma. Não acredita que a plasticidade do cérebro, sua capacidade de
substituir um circuito perdido por outro, seja de grande utilidade quando
funções tão básicas se deterioram. “Se não soubermos por que morrem, não
podemos agir”, conclui.
Encontramos, em uma área irmã do cérebro, as células que
determinam como se percebe o tempo, por que às vezes ele passa voando, e às
vezes parece eterno
Apesar do cansaço, Moser comenta sua visita com entusiasmo,
especialmente os diversos encontros com jovens. “Minha mensagem é que é preciso
trabalhar para explicar como o cérebro elabora as lembranças episódicas [de um
fato concreto]. Por que, como e quando essas memórias são recuperadas.” Embora
às vezes receba comentários muito desconcertantes nesses encontros. “Como esses
jovens que chegaram até mim esta manhã e me disseram: ‘Puxa, então você é um
ser humano’”, conta, rindo. Mas acha isso bom. “Se me virem como um ser humano,
sabem que eles também podem chegar a fazer o que amam.”
No caso dessa cientista (as mulheres são apenas 5% dos
ganhadores do Nobel), o prêmio não mudou muito a sua vida. Houve ofertas – “e
pressões”, admite – para que deixasse o laboratório de Trondheim, no meio da
Noruega, onde trabalha. Também a solicitam muito para que vá a eventos – “mas
nunca faço algo que não queira”. “Certamente me chamam mais que ao meu
ex-marido, talvez porque eu seja mulher”, diz, “e isso que ele é mais amável”.
Imagina-se no mesmo lugar, pesquisando, pelos próximos 10
anos. Trabalhando e levando seu cachorro para passear. Apesar de suas duas
filhas, já adultas, terem saído de casa, não se sente sozinha. “Quando você tem
um cachorro, não há espaço para hobbies. Saio com ele pelo menos duas vezes por
dia, e lhe dedico muito tempo.” O frio não a impede de sair à rua com seu
animal. “Na Noruega dizemos que não há tempo tuim, o que há é roupa ruim. Eu me
abrigo, e o cachorro, também.”
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com/brasil
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