segunda-feira, 17 de abril de 2017

Como a psicologia pode nos ajudar a ter uma vida mais plena e feliz?

Imagem reproduzida do site: jrmcoaching.com.br
Postada para ilustração do artigo, por Equilíbrio Neural.


Postado originalmente no site  Gluck Project, em 10 de Março de 2014.

Como a psicologia pode nos ajudar a ter uma vida mais plena e feliz?

Muitos leitores do Glück nos pedem dicas práticas de como levar uma  vida mais feliz. Baita responsabilidade, né? 🙂 Em alguns textos, nós tentamos compartilhar descobertas da nossa investigação, mas a verdade é que não existe uma fórmula única para a felicidade. O principal, pelo que temos estudado, é buscar o autoconhecimento. Sim, essa frase que pode soar engraçada (e te lembrar disso), parece uma das poucas unanimidades sobre a felicidade. Procurar se conhecer melhor; saber quais são seus desejos, quais são seus medos, quais são as pequenas coisas que fazem você feliz. Descobrir o que o motiva a agir como você age no dia-a-dia. Procurar pensar menos no que os outros pensam de você.

Mas como é que eu faço para encontrar esse tal autoconhecimento? Bom, com certeza você não vai poder comprar autoconhecimento na farmácia ou no seu site de downloads favorito. Uma coisa que ajudou bastante – tanto para mim, quanto para a Karin – foi a terapia. Isso mesmo: terapia, análise, aquela hora semanal que você passa com um psicólogo. No começo rola um certo preconceito do tipo: “terapia é coisa de maluco”, “eu não preciso disso, não sou doente” ou “se for pra pagar alguém pra me ouvir falar, eu vou pro bar com meus amigos”. Mas terapia não é coisa de maluco. Ela tanto pode te ajudar a resolver um problema pontual, quanto pode ser uma jornada em busca do autoconhecimento e de uma vida melhor.

Pra falar de terapia e psicologia, eu entrevistei os psicólogos Waldemar Magaldi e Otavio Dutra. O Waldemar Magaldi é psicólogo com mestrado e doutorado em Ciências da Religião,  autor do livro  “Dinheiro, saúde e sagrado” e coordenador do curso de pós-graduação oferecido pelo IJEP – Instituto Junguiana de Ensino e Pesquisa. O Otavio Dutra de Toledo é formado em Medicina, estudou psiquiatria e  hoje se dedica à psicologia. Ele fez pós-graduação em Gestalt-terapia e a abordagem arquetípica de Jung e é professor do curso de Gestalt-terapia do Instituto Sedes Sapientiae.

No papo com os dois, falamos de felicidade, autoconhecimento remédios, depressão e inveja.

Waldemar: O processo psicoterapêutico não é uma panaceia e nem o caminho único e obrigatório para a conquista do autoconhecimento, que é o verdadeiro meio para a felicidade. Existem várias possibilidades para que isso venha acontecer, mas todas elas exigem uma relação intersubjetiva. Ou seja, ninguém pode transformar ninguém, mas ninguém se transforma sozinho…

Otavio: A terapia pode ser tanto uma atividade guiada para um sofrimento específico quanto uma prazerosa busca sobre quem se é verdadeiramente. Na minha maneira de trabalhar, que usa a Fenomenologia, a terapia é uma procura feita a dois, pois cada pessoa é única e sobre ela não deve haver preconceitos. Esta segunda modalidade serviria a todos que se dispusessem ou tivessem vontade de  conhecer melhor a si mesmo e a sua maneira de se relacionar. Lembra uma variante da velha piada da lâmpada : quantos terapeutas são necessários  para se trocar uma lâmpada? Resposta : Um só, mas a lâmpada precisa querer muito ser trocada. Em resumo, só serve para quem quer e precisa ou para quem apenas quer.

Como a psicologia pode ajudar as pessoas a aplacarem suas angústias e terem uma vida mais feliz?

Waldemar: Na visão da psicologia junguiana o ser humano tem que lidar com duas dimensões bem distintas que, de acordo com o modo de vida, podem ficar antagônicas, gerando angústia, neurose e até sintomas. De um lado temos a dimensão biológica, responsável pelo instinto da fome, proteção e reprodução e, por ser muito objetiva e materialista, acaba sendo dominante e alinhado com a produção científica. Do outro lado temos a dimensão anímica e espiritual, onde reina os arquétipos e o inconsciente coletivo, que leva o indivíduo a buscar sentido e significado para a existência, conectando-o com os mistérios, produzindo artes e religiões.

O processo da psicoterapia leva a pessoa a integrar esses dois universos, fazendo-a contemplar simultaneamente o bom, o belo e o verdadeiro – religião, arte e ciência, respectivamente. Por isso, a felicidade só é alcançada quando o corpo estiver pleno, as relações afetivas e emocionais equacionadas e o sentido da vida atingido. Caso contrário, o aspecto que estiver negligenciado aparecerá como sintoma, podendo surgir as crises psíquicas e ou somáticas.

Freud dedicou um bom espaço do “Mal Estar da Cultura” à felicidade, né? Como as principais correntes da psicologia definem a felicidade?

Otavio: Vou responder baseado na Gestalt-terapia (que é uma das linhas da psicologia que mais estudei): Para ser feliz você deve estar vivendo o momento presente, em contato com as suas próprias necessidades, atento ao que o mundo te oferece e com uma fronteira semi permeável que te permita ser invadido pelo que te faz bem e que ao mesmo tempo te proteja daquilo que possa ser tóxico.  Sem me preocupar com as linhas, eu diria que é comer com fome, beber com sede, ter boas e diversificadas  trocas com os outros … É saber o que se deseja (e curtir o caminho em que nos arriscamos a obter a sua satisfação, um caminho com esperança e maleabilidade para aceitar o que for possível, o inesperado – que eu nem sabia que desejava) e também é desejar o que se tem e se conquistou .

Waldemar: Freud era preponderantemente materialista, por isso acentuou na sua teoria a questão do instinto sexual como razão ultima da existência, em busca do princípio do prazer.  Por isso, ele afirmava que as religiões eram prejudiciais, porque obliteravam a razão, único caminho para o bem estar. Atualmente as práticas psicoterapêuticas estão sendo obrigadas a incluir as questões sociais, culturais e espirituais nas suas abordagens.

Muitas matérias jornalísticas chamam a atenção para a quantidade de brasileiros que toma antidepressivos e alardeiam que a depressão (assim como a ansiedade) é um grande mal moderno. Concordam com essa afirmação?

Otavio: Eu acho que o mal moderno é a ansiedade que exaure a pessoa e muitas vezes leva à depressão; (é) um modo de vida que privilegia a produção e otimização em detrimento da fruição. Você tem que chegar logo, os meios de transporte são rápidos (mas aqui em São Paulo não andam, gerando terrível angústia em todos). Muito dos sofrimentos psíquicos do homem contemporâneo vem do modo de vida contemporâneo, então, em certa medida, criamos remédios para males que nós mesmos inventamos. Mas a depressão sempre existiu,  a ansiedade também, há quem nasça com forte tendência a sofrer com eles, estes tiveram mais sorte em nascer nos dias atuais. (Não se deve menosprezar os sofrimentos do passado, exemplo clássico : dentista com ou sem anestesia)

Waldemar: Para mim a depressão é um sintoma contemporâneo que denuncia a dessacralização e o desencantamento da vida. O excesso de ciência materialista, redutiva e causal, está produzindo esse sintoma que leva as pessoas a ir para dentro (de-pressão). Pararem de se direcionarem apenas para fora, para cima e para a frente, deixando de lado o mundo interior, o que ficou para trás e o que está na imanência ontogenética da humanidade. O mundo, e não apenas o Brasil, consome uma infinidade de produtos psicoativos na forma de excitantes, calmantes, antidepressivos, reguladores do humor, indutores do sono, aditivos para a concentração, etc. Isso acontece porque as pessoas não conseguem lidar com a angustia da falta de sentido, se afastaram das religiões, no seu aspecto verdadeiro que deveria ser religação para o autoconhecimento, estimulando todos a um contínuo comportamento egoísta, individualista, materialista, competitivo e cumulativo.

Como acredito que todo sintoma é uma expressão simbólica que denuncia uma ferida de amor próprio e a desarmonia entre o corpo e a alma, vejo na depressão um sintoma coletivo e uma janela de oportunidade para que aconteça uma mudança no estilo de vida contemporâneo. Por isso, a medicalização, sem o processo psicoterapêutico, coloca em risco o agravamento desta situação.

E como os remédios psiquiátricos podem ajudar as pessoas?

Otavio: Considero os medicamentos um arsenal de enorme valia, embora não sejam indicados (nem ajudem) em diversos casos. Há ainda sérios efeitos colaterais que precisam ser considerados (como o esfriamento da libido em quem toma antidepressivos ), mas são de enorme valia em pessoas com a vida muito limitada ou, pior, sem vontade de continuar vivendo. Some-se isso ao fato de que agem de maneira diferente em cada organismo, o que leva a momentos de tentativa e erro até a escolha da substância mais adequada para aquele organismo. Até agora, no tratamento de depressões moderadas a graves, o melhor tratamento é a combinação de fármacos com a psicoterapia (comprovado em estudos com populações onde há significante vantagem no tratamento combinado em relação a qualquer um dos dois tipos de tratamento separadamente) .

Waldemar: Medicar, sem obliterar a consciência, e estimular o processo do autoconhecimento é um caminho saudável. Porém, infelizmente, por conta da falta de tempo e da pressão econômica, os profissionais de saúde deixaram de medicar e passaram a “medicalizar”, criando rótulos psicopatológicos com intuito de manter as pessoas alienadas e comprometidas com o consumo. Somos condicionados desde cedo a ir ao shopping para comprar o que não precisamos, com o dinheiro que ainda não temos, para impressionar quem não conhecemos e fingir ser quem não somos. E, se por alguma razão isso deixar de acontecer o indivíduo é enquadrado em algum psicodiagnóstico e terá que consumir algum medicamento psicoativo, preferencialmente de forma obsessiva e compulsiva, para manter as pessoas dependentes e, consequentemente, garantir o faturamento da indústria da saúde.

Recentemente um post americano sobre a Geração Y fez muito sucesso nas redes sociais. Esse post dizia que essa geração foi criada com altas expectativas e julgando-se especial. A “vida adulta real” teria deixado os Y frustrados e angustiados. Você acha que essa teoria faz sentido? Por que muitas vezes a felicidade alheia nos provoca raiva e frustração?

Waldemar: Até a geração X a expectativa materialista forçava, equivocadamente, as pessoas acreditarem no “ter para ser”. Porém, com incapacidade capitalista para a redistribuição de renda, o ter foi ficando cada vez mais inviável. Neste momento surge a geração Y, desapegada dos vínculos, muito impaciente em obter resultados e com uma nova crença, igualmente equivocada, que é a do “aparecer para ser” e nesta direção que surgem as mídias sociais, dando a possibilidade para o indivíduo aparecer, mas como isso só não basta, os sintomas depressivos começam a surgir, mesmo com cinco mil amigos me seguindo no Facebook. Por isso, quando alguém conquista algo de fato, por inveja, a maioria fica com raiva…

Otavio: Começo comentando o texto da geração Y que eu já havia lido e achado simples, inteligente, lógico e escrito com bom-humor. Continuo achando tudo isso, só não concordo que seja a equação definitiva, mas a comparação de duas das mais importantes variáveis de uma bem  mais ampla e irregular equação. Fazendo uma comparação, seria tentar entender uma população de pessoas com sobrepeso através das variáveis “ingestão de calorias” e “variação do peso corporal” ( sim, são diretamente proporcionais – aumentou a primeira, aumenta a outra, se o indivíduo comer mais, ele ganhará peso). Mas estaríamos ignorando outros fatores como a quantidade de exercício físico, o funcionamento do metabolismo,o equilíbrio entre os hormônios, a capacidade de absorção, etc. No texto da geração Y, as variáveis são inversamente proporcionais: quanto maior a expectativa, menor a felicidade, maior a frustração .

Ainda sobre o tema “inveja”, que luz a psicologia pode jogar sobre o preconceito? Por que uma parcela significativa das pessoas não aceita que alguém seja feliz se for diferente?

Waldemar: Todo ser humano é único, complexo e criativo e, por isso mesmo, é diferente! O que acontece é que por conta da falta de autoconhecimento as pessoas ficam inseguras e, diante do mais diferente elas tentam transformá-lo em desigual. Esse é o problema da intolerância! O medo daquele que é mais diferente produz o sentimento de desigualdade, como mecanismo de defesa, e aí acontece o abuso, a falta de ética e as relações de escravidão.

A inveja, por sua vez, é relativa ao desejo de destruir o que o outro conquistou, porque no fundo o invejoso sabe que não seria capaz de conquistar o mesmo. Assim ele fica menos diminuído e, consequentemente, frustrado com sua incapacidade.

Texto reproduzido do site: gluckproject.com.br

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