Jornal da Globo, edição de 22/03/2013
Carreiras e atividades específicas ajudam a desenvolver
memória
Atores e professores têm a memória mais exigida.
Tenistas profissionais melhoram com a ajuda da neurociência.
Christiane Pelajo
Este é o quinto e último episódio da série especial
"Cérebro, máquina de aprender". Durante toda a semana, o Jornal da
Globo mostrará que a aplicação da neurociência, a ciência que estuda o cérebro,
é capaz de resultados excepcionais na vida das pessoas.
Murilo Rosa, 42 anos, ator. Elvira Souza Lima, 62 anos,
professora. Será que essas duas profissões têm algo em comum? “As duas
profissões que se caracterizam por conservar a memória em idades avançadas são
a de ator e a de professor, as duas em que o indivíduo mais tem que ler. A
leitura é uma das coisas que mais ajudam na memória, que mais exercitam a
memória”, diz o neurocientista Ivan Izquierdo, da PUC/RS.
E acredite: malhar também faz bem à memória. Pesquisas de
universidades americanas mostraram que a
prática regular de atividades físicas ajuda a pensar com mais clareza e melhora
a aprendizagem.
Antes de ser ator, Murilo Rosa era atleta. Chegou a
participar de dois campeonatos mundiais de tae-kwon-do. Murilo pratica, com
frequência, duas coisas que ajudam e muito na memória: leitura e exercícios
físicos. Não é à toa que ele lida com tanta tranquilidade com os textos que
precisa decorar.
“O cérebro da gente é tão complexo, é tão interessante, que
aquilo ali já vai se tornando parte de você. Vai ter uma hora que você vai
estar repetindo aquele texto que você nem acredita que sabe daquilo”, diz o
ator.
Aprender é criar novas memórias de longa duração. Um dos
maiores especialistas no mundo em memória é categórico. “Todas as memórias são
associativas. A memória é um fato associativo”, afirma Izquierdo.
Veja essa situação como exemplo: você pensou em
Florianópolis, onde esteve em dezembro. Dezembro lembra o seu filho porque é o
aniversário dele. Aí você se recorda da festa, do bolo do aniversário, do
presente que ele te pediu. Isso te faz lembrar do cartão de crédito, que você
usou para bancar a festa. Lembra de dinheiro e ativa áreas de matemática no seu
cérebro.
A partir de agora, você passa a se concentrar nas contas que
tem para pagar. É a chamada memória associativa, quando uma coisa leva à outra.
Se você associar o que aprende a algum conhecimento antigo, que você já tenha,
fica mais fácil guardar para sempre na sua cabeça.
É justamente o que tentam fazer os professores do colégio
Porto Seguro, em São Paulo. Eles trabalham com fundamentos de neurociência. Um
deles é transformar o aluno em protagonista.
“Você consegue não prestar atenção quando você é o centro
das atenções? Não. Usar atividades em que o aluno faça algo, produza alguma
coisa, colabore com os outros, é fundamental. Uma das melhores maneiras de
aprender é justamente ensinar”, afirma a especialisa em educação e
neurociênciaTracey Espinoza.
Outra descoberta da neurociência fundamental para
aprendizagem é a importância do sono. “Nas últimas décadas, o que tem se
mostrado é que o cérebro continua muito ativo durante o sono, e essa atividade
está a serviço da consolidação da aprendizagem”, diz Fernando Louzada, doutor
em Neurociência pela USP.
Se o estudante não dormir bem, não vai conseguir prestar
atenção na aula, e ninguém aprende sem estar atento. Uma pesquisa da Fundação
Americana do Sono revela que 60% dos adolescentes sentem sono de manhã.
Ou seja, matar a primeira aula, chegar atrasado na segunda e
dar uma cochiladinha na terceira não é apenas corpo mole. É fruto dos
hormônios. “O ideal seria o turno único, começando 9h, 10h, com atividades mais
lúdicas, porque a maioria dos seres humanos é vespertina”, afirma Robert Lent,
neurocientista da UFRJ.
Sair da cama cedo para praticar o esporte que mais ama não é
sacrifício algum para Bruno Sant’Anna. Ele tem 19 e é uma das promessas do
tênis brasileiro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Com o objetivo de aprimorar o desempenho de seus atletas, a
Confederação Brasileira de Tênis (CBT) assinou um convênio com o laboratório de
neurociência do esporte da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“Hoje, basicamente, os tenistas reclamam da ansiedade e
concentração. O nosso trabalho é em cima da concentração, que seria a tensão, e
tem a ver com memória de trabalho, com tomada de decisão. Em todos os
equipamentos, a gente monitora as funções executivas”, diz Emílio Takase,
especialista em neurociência aplicada ao esporte.
A equipe criou softwares que ajudam a desenvolver o
treinamento cognitivo dos tenistas.
Enquanto os atletas usam os joguinhos, os profissionais
monitoram a frequência cardíaca, a respiração, as ondas cerebrais. “A
princípio, acredita-se que o comportamento que ele vai ter nesse tipo de
situação vai ser o mesmo em quadra, em situação de jogo. A gente procura
treinar isso”, afirma Mark Caldeira, da CBT.
Bruno tem suado a camisa fora e dentro de quadra pra fazer
bonito em 2016. Mesmo durante o jogo, lá está a equipe monitorando tudo. A
ideia é deixá-lo sob pressão para ver como se sai.
“A pressão é um privilégio. Por melhor que você seja, você
nunca pode ficar totalmente confortável numa situação de pressão", afirma
o tenista Roger Federer. Palavras do maior vencedor de todos os tempos, que
mudou completamente de comportamento ao longo da carreira.
No começo, Federer se descontrolava, mas acabou aprendendo a
lidar com a pressão. Durante um ano e meio, teve um treinador mental, como ele
mesmo diz, que fez toda a diferença na vida dele.
Hoje, vemos em quadra um Federer equilibrado, tranquilo, em
paz, dono de um recorde de 17 Grand Slams. “É emocionante imaginar que o corpo
humano pode fazer isso, porque existe aqui alguns quilinhos de matéria cinzenta
que transforma os nossos desejos e pensamentos naquela poesia motora”, diz
Miguel Nicolelis, chefe do departamento de Neurociência da Universidade Duke.
Foto e texto reproduzidos do site: http://migre.me/dOnh0
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