Jornal da Globo, edição de 21/03/2013
Projeto pioneiro une neurociência à educação em escolas no
Brasil
Iniciativa é do neurocientista Miguel Nicolelis.
Neurociência explica e melhora desempenho de esportistas.
Christiane Pelajo
Este é o quarto episódio da série especial "Cérebro,
máquina de aprender". Durante toda a semana, o Jornal da Globo mostrará
que a aplicação da neurociência, a ciência que estuda o cérebro, é capaz de
resultados excepcionais na vida das pessoas.
Parece bem difícil fazer a ultrapassagem na Fórmula 1, ainda
mais a 300 quilômetros por hora, mas, para os pilotos profissionais, não é. Até
porque, em muitos momentos, eles enxergam como se estivesse em “slow motion”.
“Você está atrás de um carro, e a reação é muito rápida. Tem
que decidir rápido demais, mas a sua decisão, você acaba enxergando em câmera
lenta. Mais ou menos imagina a reação do carro da frente também”, diz o piloto
Felipe Massa.
Não são só os pilotos de Fórmula 1 que têm essa sensação.
Uma pesquisa feita por neurocientistas de uma universidade da Inglaterra provou
isso.
A maioria dos laboratórios de neurociência de Londres fica
em volta da Queen Square, a "praça rainha". Foi no Instituto de
Neurociência Cognitiva da University College que foi feita uma pesquisa
comprovando essa percepção de muitos atletas.
O profissional está tão treinado, tão condicionado para, por
exemplo, devolver uma bola em um jogo de tênis ou ultrapassar um carro, no caso
de um Piloto de Fórmula 1, que o cérebro dele tem a ilusão de ter mais tempo
pra fazer aquela ação. Essa ilusão, claro, é sempre muito bem-vinda.
O responsável pelo estudo é o neurocientista japonês
Nobuhiro Hagura, que recebeu a equipe do Jornal da Globo no laboratório dele,
na capital inglesa. Hagura diz que, com a ilusão de ver tudo em câmera lenta,
fica mais fácil para o piloto profissional fazer a ultrapassagem, já que ele
consegue processar com mais detalhes as informações que entram no cérebro dele.
Há exercícios que intensificam ainda mais essa percepção,
como o que o piloto Bruno Senna faz antes das corridas. Parece uma brincadeira
boba, mas está longe disso.
O piloto usa um óculos criado especialmente para este tipo
de treinamento. É como se a lente ficasse piscando. A impressão é a de que
estão acendendo e apagando as luzes. “Depois, você tira os óculos, e fica um
pouco mais lento. O tempo na sua frente fica um pouco mais lento, porque você
está vendo muito mais do que estaria vendo com o óculos. É como se você
estivesse fazendo o seu cérebro usar mais a informação que ele tem”, afirma
Bruno.
Era exatamente o que fazia o tio de Bruno, Ayrton Senna. Ele
conseguia usar, como poucos, as informações que tinha e, sempre, impressionava
os mecânicos. “O cara conseguia acertar o carro sentindo no corpo dele as
nuances do asfalto, que a telemetria da Honda não conseguia detectar. Então o
corpo dele era um transdutor para o cérebro dele que ultrapassava a
tecnologia”, diz o neurocientista Miguel Nicolelis, chefe do departamento de
neurociência da Universidade Duke (EUA).
Mas quantos Ayrtons existem? Se depender de Nicolelis, cada
vez veremos mais brasileiros geniais no que fazem. O neurocientista já está
fazendo a parte dele. Em Macaíba, na região metropolitana de Natal, no Rio
Grande do Norte, há um projeto pioneiro e ambicioso, que une neurociência à
educação: o Campus do Cérebro, criado por Miguel Nicolelis.
A obra começou em 2010 e já impressiona pelo tamanho. É uma
mega estrutura no meio de uma zona rural. Não há nada em volta. A construção
deve ficar pronta ainda este ano. Será uma escola de tempo integral para 1.500
crianças ao lado de um grande centro de pesquisa de neurociência.
“A ideia é começar no pré-natal. Acompanha-se a mãe e a
criança, cria-se um histórico, e aí a gente acompanha essa criança ao nascer
até o final do Ensino Médio, agora em uma escola própria do Campus do Cérebro,
onde as crianças vão poder ficar em tempo integral, desde o nascimento até o
final do Ensino Médio”, afirma Nicolelis.
Não será a primeira experiência da equipe de Nicolelis em
sala de aula. Desde 2007, eles são os responsáveis pelo projeto Educação Para
Toda Vida, para jovens de dez a 15 anos. Em dois colégios no Rio Grande do
Norte e um na Bahia, 1.500 alunos participam de aulas em laboratórios, oficinas
de biologia, computação, ciências, robótica. “Em casa, ajudo a minha mãe,
Quando quebra alguma coisa, eu a ajudo”, diz o aluno Adrian Everton Barbosa.
As aulas que eles têm são extracurriculares e apenas duas
vezes por semana. Os alunos vieram de escolas públicas da região, onde
continuam estudando, mas agora têm dois colégios, cada um em um turno.
“Nós fomos a escolas com dificuldades porque a minha
proposta era essa mesma. Eu quero ir a um lugar onde ninguém iria, eu quero ir
a um lugar onde as crianças jamais receberiam essa atenção”, diz Nicolelis.
O currículo é totalmente prático, inspirado no conhecimento
neurocientífico de que o cérebro aprende por associação. “Quando a gente
associa à prática, leva isso para o resto da vida”, afirma o professor André
Ricardo Bandeira de Carvalho.
Os resultados são animadores. “O que eu estou percebendo
desde o início do projeto, é, exatamente, o comprometimento dos alunos”, diz
Itamar Bezerra da Nóbrega Neto, professor e coordenador da Oficina de Robótica.
“Eles passaram a ter um maior empenho nos estudos, passaram
a ter um maior desejo de aprender”, afirma Dora Maria Montenegro, diretora do
instituto. O projeto, que mudou a realidade desses alunos, deve servir de
exemplo para outras escolas brasileiras.
“A escola tem que abrir a imaginação dessas crianças para o
impossível. Elas têm que sonhar com o impossível, porque mesmo que elas não
cheguem lá, o caminho para chegar ao impossível sempre vai dar lucro. Você
sempre vai fazer alguma coisa que vale a pena”, diz Nicolelis.
Foto e texto reproduzidos do site: http://migre.me/dOnlT
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