Jornal da Globo, edição de 19.03.2013
Exercício cerebral constante pode levar à excelência no que
se faz
Praticar modifica o cérebro.
Motivação, foco, atenção e anos de prática lapidam talentos.
Christiane Pelajo
Este é o segundo episódio da série especial "Cérebro,
máquina de aprender". Durante toda a semana, o Jornal da Globo mostrará
que a aplicação da neurociência, a ciência que estuda o cérebro, é capaz de
resultados excepcionais na vida das pessoas.
Ana Botafogo e Thiago Soares, dois ícones do balé clássico.
Joe Satriani, John Petrucci e Steve Morse, três gênios da guitarra. Além de
serem excepcionais no que fazem, o que mais eles têm em comum?
Muita coisa: motivação, foco, atenção e anos e mais anos de
prática. Os três guitarristas começaram a tocar ainda muito jovens, por volta
de 11, 12 anos de idade, e estudam até hoje. “É um instrumento que você pode
estudar a vida inteira, e ainda assim vai encontrar desafios”, afirma Steve
Morse, guitarrista do Deep Purple.
A mais famosa primeira bailarina brasileira dança desde
criança. “São muitas horas de exercício, são exercícios a vida toda”, afirma
Ana. O primeiro bailarino do Royal Ballet de Londres começou um pouco mais
tarde, já adolescente, mas treina muito, todos os dias da semana. “Umas seis
horas e meia a oito horas por dia, fora os espetáculos”, diz Thiago.
Tanta dedicação assim explica, em parte, o sucesso deles. “A
princípio, qualquer pessoa pode se tornar excelente, extraordinária no que ela
faz, desde que ela tenha um interesse extraordinário pelo que ela faz, e a
oportunidade de praticar a um nível extraordinário também com aquilo. É suor
mesmo”, diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Praticar modifica o
cérebro. Para percorrer uma mata, você tem que construir uma série de
trilhas. Depois de algum tempo, você percebe que só vai explorar algumas
trilhas e elas se tornam mais largas, viram quase estradas.
As que você não percorre vão desaparecendo e, depois de um
tempo, a sua mata está assim. É exatamente o que acontece no nosso cérebro.
Quanto mais praticamos, mais fortalecemos o caminho que o nosso cérebro faz
para executar uma determinada tarefa. Assim ficará mais fácil achar essa trilha
da próxima vez.
Há períodos na vida em que ocorrem mudanças no cérebro com
mais intensidade. São as chamadas janelas de oportunidade. A maior delas
acontece quando deixamos de engatinhar e começamos a andar.
“A criança, até os dez meses de idade, é quadrúpede. Vai
engatinhando, e tem um cérebro que funciona que nem o do cachorro ou de
qualquer animal quadrúpede. Olhar como um quadrúpede olharia. Quando a criança
começa a ficar em pé, descobre um mundo novo”, afirma o neurocientista Ivan
Izquierdo, da PUC/RS.
"Aí nascem novos neurônios, ou crescem conexões entre
neurônios da vida bípede e morrem diretamente os neurônios que ele carregava da
vida quadrúpede. Depois nunca mais na vida teremos uma perda tão gigantesca
como essa”, afirma Izquierdo.
“A aprendizagem é toda mais fácil quando é feita de criança.
Quanto mais cedo ela puder aprender, melhor”, diz Paulo Ronca, doutor em
Psicologia Educacional da Unicamp. É possível começar a criar memórias de longa
duração desde pequeno.
Esse é o objetivo da escola municipal de Guarani, uma cidade
mineira de apenas 9 mil habitantes. Os professores usam fundamentos da
neurociência, a ciência que estuda o cérebro, para preparar os alunos para a
alfabetização.
Quem trouxe a neurociência para algumas escolas de Minas
Gerais foi a professora Elvira Souza Lima, coordenadora do projeto Escrita para
Todos. “A criança, nesse período, que é
o período do faz de conta, ela cria, mas tem que ser um criar sem avaliação.
Então, para a criança que canta todo dia, desenha todo dia, escrever todo dia
vai ser absolutamente uma consequência natural”, diz.
Lá, nada é forçado. A ideia é que o aprendizado seja
natural, sem imposições, sem críticas. Muito pelo contrário: segundo a
neurociência, elogiar é fundamental. “Elogiar é uma motivação extraordinária.
Eu acho que precisa ser mais usada, em escolas, em casa”, diz Herculano-Houzel.
“É isso que nós queremos: que nosso aluno tenha, aqui na
escola, uma emoção positiva para que ele guarde aquilo na memória e possa usar
lá na frente”, afirma Eliana Alvim, supervisora da escola de Guarani.
Não são só emoções positivas que a gente guarda na memória.
Acontecimentos negativos também podem ficar para sempre na nossa cabeça. Quem
não se lembra onde estava no dia 11 de setembro de 2001? “Todo mundo se lembra
onde estava, com quem falou, que horas eram. Foi um momento emocionalmente
muito forte, muito intenso. Então, isso
grava melhor”, afirma Izquierdo.
Gravamos até quando não fazemos, até quando não estamos
executando a ação. Neurocientistas afirmam: imaginar é quase praticar. “Se eu
pedir a você que se imagine andando de bicicleta, é capaz de imaginar-se
andando de bicicleta. Se você fizer isso, e eu puder registrar as suas áreas
cerebrais, o seu cérebro em funcionamento, as regiões que vão estar ativas são
muito parecidas, praticamente as mesmas, que estão ativas quando você, de fato,
está andando de bicicleta. Daí se pode concluir que a imaginação é um
treinamento.”, explica Robert Lent, neurocientista da UFRJ.
Ana Botafogo e Thiago
Soares sabem bem disso. “Tem coisas que eu não quero me desgastar fisicamente
porque eu já fiz muito. Então, faço na memória, ou faço pensando, imaginando
que eu estou fazendo. Às vezes, a gente até fala, marcando”, diz Thiago.
Foi imaginando que o jogador de basquete Michael Jordan
ganhou um dos títulos dele na NBA, a liga profissional americana. “O mundo
inteiro esperava aquela jogada para ganhar o título. Como ele recebeu a bola, e
faltavam três segundos, o Michael Jordan ia tentar fazer a cesta. Só que ele
pensou anos antes, anos, que se ele tivesse em uma situação dessas, ele ia
passar a bola. Porque ia ter alguém sozinho, e foi exatamente o que aconteceu.
Três jogadores vieram nele, e tem um jogador que ninguém mais lembra, que é o
Carr, que pega a bola e faz a cesta”, diz Miguel Nicolelis, chefe do
departamento de Neurociência da Universidade Duke (EUA).
Foto e texto reproduzidos do site: http://migre.me/dOnDT
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