Jornal da Globo, edição de 18/03/2013
Cérebro molda suas funções e capacidade pelo constante uso
Para que bloco se transforme em escultura, o que sobra deve
ser removido.
No cérebro, o que faz essa eliminação é justamente o uso.
Christiane Pelajo
Este é o primeiro episódio da série especial "Cérebro,
máquina de aprender". Durante toda a semana, o Jornal da Globo mostrará
que a aplicação da neurociência, a ciência que estuda o cérebro, é capaz de
resultados excepcionais na vida das pessoas.
O órgão mais complexo do corpo humano tem capacidade de se
moldar ao longo da vida. Nós somos capazes de aprender sempre.
Um menino muito curioso, Jian tem 11 anos e, até o ano
passado, não sabia ler, nem escrever. Já tinha passado por várias turmas, até
entrar na sala da tia Ana. Em três meses, tudo mudou.
Professora há 15 anos, Ana Presciliana Santos observa
atentamente cada aluno. Assim, consegue perceber as dificuldades deles, e sabe
como motivar a criançada. Ana ensina brincando.
Ana trabalha há cinco anos em uma escola municipal de uma
região pobre de Juiz de Fora, em Minas Gerais. A maneira como a professora
ensina mudou completamente há três anos, quando descobriu a neurociência, a
ciência que estuda o cérebro.
Desde então, 100% dos alunos que passaram pela sala da tia
Ana saíram alfabetizados. “Cada dia você ativa uma área do cérebro, com
desenho, com arte, com gráfico, com tudo, e eles ficam mais felizes, aprendem
mais, se concentram mais”, diz.
“Não pense que a criança está perdendo tempo porque ela está
usando um videogame ou ela está brincando com o violão. Se, na sequência, você
mudar para matemática, aquilo que era muito chato, abstrato, incompreensível,
passa, quem sabe, a ser interessante, porque o cérebro dela está preparado para
focar atenção. Ela está feliz porque fez uma coisa interessante”, afirma
Roberto Lent, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nós somos o nosso cérebro. Sem ele, nada no corpo
funcionaria. Para falar, andar, comer, se mexer, para tudo o que fazemos,
precisamos do cérebro. O órgão pesa muito pouco, não chega a um quilo e meio.
Ocupa menos de 2% do corpo, mas consome 20% da nossa energia.
Nosso cérebro custa caro. “Custa caro em termos de energia e
em termos de investimento. Entre 500 e 600 calorias mais ou menos, daquelas 2
mil que a gente consome por dia, vão só para manter o cérebro funcionando”, diz
Suzana Herculano-Houzel, neurocientista da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
“É mentira, completamente mentira, a gente usa o cérebro
todo, 100% do cérebro, inclusive enquanto você está dormindo”, afirma Suzana,
sobre a história de que só 10% do cérebro são usados. É o nosso órgão mais
complexo.
“A única coisa que se compara ao cérebro é o numero de
galáxias no universo. A ordem de dimensão é a mesma, são centenas de bilhões de
neurônios”, diz Miguel Nicolelis, chefe do departamento de Neurociência da
Universidade Duke (EUA).
Assim como as galáxias, o cérebro é difícil de desvendar. É
a parte do nosso corpo que menos se deixa revelar. Temos cerca de 86 bilhões de
neurônios, que são células especializadas em comunicação.
A atividade cerebral é a troca de informações entre esses
neurônios, mas eles não se tocam diretamente. A comunicação se dá através da
sinapse, que é a conexão entre neurônios. É a área em que dois neurônios passam
informações de um para o outro através de impulsos elétricos.
O cérebro nasce com aproximadamente 250 bilhões de sinapses.
Aos oito meses, o bebê já fez 600 bilhões de sinapses. Esse excesso de conexões no começo da vida é
apenas matéria-prima.
É como se fosse um bloco de gelo bruto. Ali dentro há todas
as possibilidades de escultura, mas, por enquanto, ainda não é nada. Para que
este bloco se transforme em uma escultura de fato, todo material que está
sobrando tem que ser removido. No cérebro, o que faz essa eliminação é
justamente o uso.
Quanto mais a gente usa o nosso cérebro, mais ele vai se
definindo. As conexões que a gente não usa vão sendo eliminadas. Aprender muda
o cérebro. Somos capazes de modificar a nossa estrutura cerebral até o último
dia de nossas vidas. Vários estudos já comprovaram isso.
Um deles foi realizado com taxistas de Londres. Neurocientistas
conseguiram comprovar que a massa cinzenta dos motoristas de táxi aumenta
depois que eles memorizam as ruas da cidade. Para poder dirigir um desses
símbolos de Londres, não basta ser um bom motorista. É preciso estudar muito
para conseguir decorar 25 mil ruas.
O duro treinamento leva cerca de três anos e apenas metade
dos candidatos consegue passar. Na pesquisa feita pelos neurocientistas
ingleses, foi usado um aparelho de ressonância magnética funcional, que mede a
mudança no fluxo sanguíneo dentro do cérebro, enquanto os candidatos a taxista
jogavam um videogame que recriava as ruas do centro de Londres.
Os pesquisadores iam acompanhando o que acontecia no cérebro
deles. A conclusão foi que os aprovados ganharam, além da licença para dirigir táxis,
uma massa cinzenta bem maior.
Neurocientistas são unânimes em afirmar que é possível
melhorar a capacidade do nosso cérebro sempre, mas... “Fazer só palavra cruzada
não é a solução, mas usar e manter o cérebro sendo desafiado continuamente,
intelectualmente. É quase como músculo. Se você para de usar o músculo, tem uma
atrofia. O cérebro é muito assim”, afirma Nicolelis.
Foto e texto reproduzidos do site: http://migre.me/dOnLQ
Foto e texto reproduzidos do site: http://migre.me/dOnLQ
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