O terapeuta americano Irvin D. Yalom, autor de 'Quando Nietzsche.
Foto: Veja.com/Divulgação.
Publicado originalmente no site da Revista Veja, em 31 de outubro de 2015.
Entrevista com Irvin D. Yalom: ‘A consciência da finitude
nos ensina a viver’.
O psiquiatra americano fala sobre envelhecimento e morte em sua nova obra.
Por: Maria Carolina Maia.
Quando escreve, em especial quando relata casos de pacientes
que atende em seu consultório, o psiquiatra americano Irvin D. Yalom, hoje
professor emérito de Stanford, onde lecionou por mais de 50 anos, tem em mente
como leitor ideal o estudante de psicologia. Seus livros, porém, são um sucesso
que extrapola esse nicho - vide o caso de Quando Nietzsche Chorou, romance com
5 milhões de cópias vendidas pelo mundo, 500.000 só no Brasil. O apelo da obra
de Yalom se deve à universalidade dos temas que explora. Em Criaturas de um Dia
(tradução de Ivo Korytowski, 176 páginas, 29,90 reais), livro recém-lançado
pela editora Agir, o autor de best-sellers como A Cura de Schopenhauer trata do
envelhecimento e da morte, a partir dos medos de seus pacientes, mas também dos
próprios.
"Odeio essas situações embaraçosas. Reconhecer rostos
nunca foi meu forte, e conforme envelheci isso foi progressivamente
piorando", escreve, em certo trecho do livro. "Costumo refletir
melhor quando ando de bicicleta. Por isso, fiz um longo passeio pela costa sul
de Kauai. Isso não significava que eu havia superado meu próprio medo da morte.
Isso era um trabalho constante e diário", compartilha com o leitor em
outro momento. "A ansiedade diante da morte não desaparece. Especialmente
para aqueles que, como eu, continuam sondando o inconsciente."
Valer-se de exemplos da própria experiência permitem a Yalom
não apenas quebrar a distância que há entre terapeuta e paciente - afinal, envelhecer
e enfrentar a morte não são desafios apenas para quem procura ajuda
profissional. Mas também a criar aquilo que os psicólogos chamam de vínculo, um
caminho útil para a cura. E o americano, que fez terapia ao longo de toda a
carreira para lidar com as próprias questões e se preparar para administrar as
de outros, não tem medo de falar de si mesmo.
"Acho difícil que eu volte a escrever romances aos 84
anos, um romance exige muito da memória", diz ao site de VEJA, ao comentar
o próprio envelhecimento. "Todos nós, que envelhecemos, esquecemos
palavras ou nomes e precisamos criar truques mnemônicos que nos ajudem a
lembrar das coisas. Envelhecer é esquecer."
Ao lado do envelhecimento e da morte, a maneira como lidamos
com ele é outro ponto forte de Criaturas de um Dia, um novo compilado de casos
colhidos em seu consultório. "Eu trabalhei com pacientes de câncer e ouvi
muitos dizerem, 'Que pena que tive de esperar até agora, que meu corpo está
debilitado pela doença, para aprender a viver'." Então, essa é a vantagem
de tomarmos logo consciência da nossa finitude."
Por que o senhor resolveu intitular seu livro com uma
expressão do imperador filósofo Marco Aurélio, da Antiga Roma, "criaturas
de um dia"?
Não é um caminho óbvio procurar agir de maneira correta para
ser uma pessoa melhor? Acho que Marco Aurélio é profundo em sua simplicidade.
Ele nos lembra que somos criaturas de um dia - que somos transitórios e
evanescentes e que a consciência da nossa finitude pode nos ensinar algo sobre
como podemos ou devemos viver. Muito tempo atrás, eu trabalhei com pacientes de
câncer e ouvi muitos dizerem, "Que pena que tive de esperar até agora, que
meu corpo está debilitado pela doença, para aprender a viver". Então, essa
é a vantagem de tomar consciência da nossa finitude e deixar que esse saber nos
guie e nos ajude a decidir como viver. Toda vez que volto a Marco Aurélio, me
sinto iluminado por ele. Um dos aspectos interessantes desse livro foi que eu
recomendei a leitura de Marco Aurélio para dois pacientes meus e cada um tirou
algo diferente - mas útil - do autor. E, além disso, algo diferente do que eu
imaginava que tirariam da leitura.
Muitos de seus pacientes encontram sentido para a vida em
seu consultório. É mesmo importante dar um sentido à vida?
Eu posso ajudar pacientes a encontrar ou inventar um significado para as suas vidas, e isso é de fato útil. O livro Em Busca de Sentido (Vozes), do psiquiatra austríaco Viktor E. Frankl, é um best-seller há meio século porque ali Frankl descreve como a ideia de dar um significado à vida o fez sobreviver a um campo de concentração. Ele quis viver para sair dali e compartilhar essa experiência com outras pessoas, para que muitos soubessem e a atrocidade não se repetisse. Como disse Nietzsche: "Aquele que tem um porquê para viver pode suportar qualquer coisa".
Eu posso ajudar pacientes a encontrar ou inventar um significado para as suas vidas, e isso é de fato útil. O livro Em Busca de Sentido (Vozes), do psiquiatra austríaco Viktor E. Frankl, é um best-seller há meio século porque ali Frankl descreve como a ideia de dar um significado à vida o fez sobreviver a um campo de concentração. Ele quis viver para sair dali e compartilhar essa experiência com outras pessoas, para que muitos soubessem e a atrocidade não se repetisse. Como disse Nietzsche: "Aquele que tem um porquê para viver pode suportar qualquer coisa".
Há pessoas que, depois do nascimento de um filho, passam a
pensar menos na morte. Temos filhos para espantar o medo da morte?
Sim, essa é
uma observação interessante. Crianças são, como disse, o nosso projeto de
imortalidade, mesmo que não tenhamos consciência disso. Em um livro que escrevi
um bom tempo atrás, De Frente para o Sol - Como Superar o Terror da Morte
(Agir), eu mencionei que a transmissão (de genes, de nós mesmos) era uma das
formas potentes para dissipar a angústia da morte - a ideia de transmissão para
o futuro, de passar algo de si mesmo aos outros como a ondulação provocada por
uma pedra jogada na água.
No capítulo sobre a enfermeira que conforta os outros, mas
não a si mesma, o senhor cita o poeta irlandês William Butler Yeats para dizer
que o luto pela morte de uma criança é a "tragédia levada ao
paroxismo". Isso lembra a comoção mundial causada pela recente morte, por
afogamento, de um menininho sírio. Por que é mais difícil aceitar a morte de
uma criança?
Acredito que a morte de uma criança seja a mais difícil de todas
de suportarmos. Pais que perderam filhos enfrentam uma angústia
extraordinariamente dura. Por um lado, essa perda é também a morte do nosso
projeto de imortalidade - a inviabilidade de projetarmos a nós mesmos ou parte
de nós mesmos no futuro. É uma catástrofe poderosa que não raramente acaba com
casamentos. Cada um, pai e mãe, sente a perda à sua maneira, o que resulta na
quebra do vínculo conjugal. Um dos pais, por exemplo, pode viver seu luto
mantendo um memorial do filho morto em casa, deixando seu quarto, com as roupas
e os móveis, intacto, e querer falar sobre a morte com frequência. Já o outro
pode escolher negar a perda e mergulhar no trabalho para não pensar a respeito.
Também no capítulo sobre a enfermeira, o senhor diz à sua
paciente que as ações são mais importantes que os pensamentos. Isso é sempre
verdade?
Fantasiar uma relação com outra pessoa, portanto, não é trair o
parceiro? Se fantasiar uma relação com outra pessoa é uma forma de traição,
então, temo que não haja inocentes entre nós.
É mesmo mais digno, como o senhor escreve, manter a
compostura diante da morte e não demonstrar desespero?
É difícil imaginar
alguém que não sinta ou demonstre desespero em algum ponto do processo de
morrer, mas ao mesmo tempo eu penso que há como transcendê-lo. Lembro que o meu
grupo de pacientes com câncer, que deixei algum tempo atrás, tinha uma mulher
que caía frequentemente em desespero, até que um dia ela apareceu muito mais
vigorosa, muito mais viva e, quando eu perguntei o que havia acontecido, ela
disse que havia decidido ser, para seus filhos, um modelo de como encarar a
morte com elegância. Em outras palavras, encontrar um sentido no processo,
mesmo que seja o processo de deixar a vida, pode nos ajudar a superar o
desespero.
O envelhecimento parece um tema difícil para o senhor, mas,
como ele surge bastate no livro, é preciso perguntar: como lida com ele hoje?
Eu tenho 84 anos e todos os dias testemunho o que é envelhecer. Sou abençoado
por ter saúde física, mas poucos de nós escapam à perda da memória. Estou
escrevendo um livro de memórias agora - algo apropriado para se fazer na minha
idade - e sinto que deveria escrever rápido, enquanto ainda consigo lembrar
tudo de que me lembro agora. Tenho sorte de ter uma parceira de vida, a minha
mulher, que eu conheci aos 15 anos. Ela está ao meu lado e pode me ajudar com
coisas que eu tenha esquecido. Todos nós, que envelhecemos, esquecemos palavras
ou nomes e precisamos criar truques mnemônicos que nos ajudem a lembrar das
coisas. Não acho que exista alguém com 80 anos que não tenha tido a experiência
de entrar em um quarto sem saber por quê, por exemplo. Envelhecer é esquecer.
O senhor tem romances sobre Nietzsche, Espinoza e
Schopenhauer. Vê muitas semelhanças entre a filosofia e a psicanálise?
Anos
atrás, quando era um estudante de psiquiatria, me vi descontente com os
principais quadros de referência disponíveis - um esquema formal de psicanálise
e um referencial médico-biológico. Foi quando me ocorreu que a psiquiatria não
teria começado de fato no século XIX, com as descobertas de Freud e Jung, e sim
remontaria aos textos dos grandes filósofos da antiguidade. Tem sido o trabalho
da minha vida tentar tirar lições de grandes pensadores e escritores, como
Epicuro, Plantão, Camus, Kierkegaard, Spinoza, Schopenhauer e muitos outros e
aplicar seus pensamentos à psicoterapia.
No epílogo de Criaturas de um Dia, o senhor diz esperar que
o livro aumente a sensibilidade dos terapeutas para temas existenciais, que são
muito presentes em toda a obra. Com um assunto tão premente e o gosto claro por
filosofia, por que o senhor nunca escreveu um romance sobre Sartre ou outro
grande nome do Existencialismo?
É tudo uma questão de mortalidade. Se pudesse
viver mais e continuar a escrever romances, eu com certeza consideraria
escrever sobre Camus e Sartre, porque eles fizeram descobertas extraordinárias.
Contudo, se a gente olhar de perto, vai ver que poucos romancistas continuam a
escrever depois dos 80 anos de idade. Escrever um romance é uma façanha da
memória. Quando faz um capítulo, você tem de ter em mente tudo o que aconteceu
nos anteriores, desde a trama desenhada para o livro. Escrever é difícil, e por
isso pode ter vida mais curta.
Em que medida um terapeuta precisa ser maduro e bem
resolvido para atender com eficiência os seus pacientes?
Sempre que meus alunos
me perguntavam sobre a necessidade de treinar para atender, em um consultório,
eu enfatizava que eles deviam fazer terapia, como pacientes. E sublinhava que
deviam fazer isso várias vezes ao longo da vida, para lidar com questões que
surgem com o tempo, como a angústia que vem com o envelhecimento. Eu fiz
terapia durante toda a minha carreira. E, cerca de 30 anos atrás, comecei um
grupo com outros nove psiquiatras - um grupo sem líder em que nos encontrávamos
para trocar ideias e experiências, e que foi uma importante fonte de apoio e
formação. Recomendo a todos os terapeutas.
Texto e imagem reproduzidos do site: veja.abril.com.br
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