domingo, 1 de novembro de 2015

‘A consciência da finitude nos ensina a viver’ (Irvin D. Yalom)

O terapeuta americano Irvin D. Yalom, autor de 'Quando Nietzsche.
Foto: Veja.com/Divulgação.

Publicado originalmente no site da Revista Veja, em 31 de outubro de 2015.


Entrevista com Irvin D. Yalom: ‘A consciência da finitude nos ensina a viver’.

O psiquiatra americano fala sobre envelhecimento e morte em sua nova obra.

Por: Maria Carolina Maia.

Quando escreve, em especial quando relata casos de pacientes que atende em seu consultório, o psiquiatra americano Irvin D. Yalom, hoje professor emérito de Stanford, onde lecionou por mais de 50 anos, tem em mente como leitor ideal o estudante de psicologia. Seus livros, porém, são um sucesso que extrapola esse nicho - vide o caso de Quando Nietzsche Chorou, romance com 5 milhões de cópias vendidas pelo mundo, 500.000 só no Brasil. O apelo da obra de Yalom se deve à universalidade dos temas que explora. Em Criaturas de um Dia (tradução de Ivo Korytowski, 176 páginas, 29,90 reais), livro recém-lançado pela editora Agir, o autor de best-sellers como A Cura de Schopenhauer trata do envelhecimento e da morte, a partir dos medos de seus pacientes, mas também dos próprios.

"Odeio essas situações embaraçosas. Reconhecer rostos nunca foi meu forte, e conforme envelheci isso foi progressivamente piorando", escreve, em certo trecho do livro. "Costumo refletir melhor quando ando de bicicleta. Por isso, fiz um longo passeio pela costa sul de Kauai. Isso não significava que eu havia superado meu próprio medo da morte. Isso era um trabalho constante e diário", compartilha com o leitor em outro momento. "A ansiedade diante da morte não desaparece. Especialmente para aqueles que, como eu, continuam sondando o inconsciente."

Valer-se de exemplos da própria experiência permitem a Yalom não apenas quebrar a distância que há entre terapeuta e paciente - afinal, envelhecer e enfrentar a morte não são desafios apenas para quem procura ajuda profissional. Mas também a criar aquilo que os psicólogos chamam de vínculo, um caminho útil para a cura. E o americano, que fez terapia ao longo de toda a carreira para lidar com as próprias questões e se preparar para administrar as de outros, não tem medo de falar de si mesmo.

"Acho difícil que eu volte a escrever romances aos 84 anos, um romance exige muito da memória", diz ao site de VEJA, ao comentar o próprio envelhecimento. "Todos nós, que envelhecemos, esquecemos palavras ou nomes e precisamos criar truques mnemônicos que nos ajudem a lembrar das coisas. Envelhecer é esquecer."

Ao lado do envelhecimento e da morte, a maneira como lidamos com ele é outro ponto forte de Criaturas de um Dia, um novo compilado de casos colhidos em seu consultório. "Eu trabalhei com pacientes de câncer e ouvi muitos dizerem, 'Que pena que tive de esperar até agora, que meu corpo está debilitado pela doença, para aprender a viver'." Então, essa é a vantagem de tomarmos logo consciência da nossa finitude."

Por que o senhor resolveu intitular seu livro com uma expressão do imperador filósofo Marco Aurélio, da Antiga Roma, "criaturas de um dia"?
Não é um caminho óbvio procurar agir de maneira correta para ser uma pessoa melhor? Acho que Marco Aurélio é profundo em sua simplicidade. Ele nos lembra que somos criaturas de um dia - que somos transitórios e evanescentes e que a consciência da nossa finitude pode nos ensinar algo sobre como podemos ou devemos viver. Muito tempo atrás, eu trabalhei com pacientes de câncer e ouvi muitos dizerem, "Que pena que tive de esperar até agora, que meu corpo está debilitado pela doença, para aprender a viver". Então, essa é a vantagem de tomar consciência da nossa finitude e deixar que esse saber nos guie e nos ajude a decidir como viver. Toda vez que volto a Marco Aurélio, me sinto iluminado por ele. Um dos aspectos interessantes desse livro foi que eu recomendei a leitura de Marco Aurélio para dois pacientes meus e cada um tirou algo diferente - mas útil - do autor. E, além disso, algo diferente do que eu imaginava que tirariam da leitura.

Muitos de seus pacientes encontram sentido para a vida em seu consultório. É mesmo importante dar um sentido à vida?
Eu posso ajudar pacientes a encontrar ou inventar um significado para as suas vidas, e isso é de fato útil. O livro Em Busca de Sentido (Vozes), do psiquiatra austríaco Viktor E. Frankl, é um best-seller há meio século porque ali Frankl descreve como a ideia de dar um significado à vida o fez sobreviver a um campo de concentração. Ele quis viver para sair dali e compartilhar essa experiência com outras pessoas, para que muitos soubessem e a atrocidade não se repetisse. Como disse Nietzsche: "Aquele que tem um porquê para viver pode suportar qualquer coisa".

Há pessoas que, depois do nascimento de um filho, passam a pensar menos na morte. Temos filhos para espantar o medo da morte?
Sim, essa é uma observação interessante. Crianças são, como disse, o nosso projeto de imortalidade, mesmo que não tenhamos consciência disso. Em um livro que escrevi um bom tempo atrás, De Frente para o Sol - Como Superar o Terror da Morte (Agir), eu mencionei que a transmissão (de genes, de nós mesmos) era uma das formas potentes para dissipar a angústia da morte - a ideia de transmissão para o futuro, de passar algo de si mesmo aos outros como a ondulação provocada por uma pedra jogada na água.

No capítulo sobre a enfermeira que conforta os outros, mas não a si mesma, o senhor cita o poeta irlandês William Butler Yeats para dizer que o luto pela morte de uma criança é a "tragédia levada ao paroxismo". Isso lembra a comoção mundial causada pela recente morte, por afogamento, de um menininho sírio. Por que é mais difícil aceitar a morte de uma criança?
Acredito que a morte de uma criança seja a mais difícil de todas de suportarmos. Pais que perderam filhos enfrentam uma angústia extraordinariamente dura. Por um lado, essa perda é também a morte do nosso projeto de imortalidade - a inviabilidade de projetarmos a nós mesmos ou parte de nós mesmos no futuro. É uma catástrofe poderosa que não raramente acaba com casamentos. Cada um, pai e mãe, sente a perda à sua maneira, o que resulta na quebra do vínculo conjugal. Um dos pais, por exemplo, pode viver seu luto mantendo um memorial do filho morto em casa, deixando seu quarto, com as roupas e os móveis, intacto, e querer falar sobre a morte com frequência. Já o outro pode escolher negar a perda e mergulhar no trabalho para não pensar a respeito.

Também no capítulo sobre a enfermeira, o senhor diz à sua paciente que as ações são mais importantes que os pensamentos. Isso é sempre verdade?
Fantasiar uma relação com outra pessoa, portanto, não é trair o parceiro? Se fantasiar uma relação com outra pessoa é uma forma de traição, então, temo que não haja inocentes entre nós.

É mesmo mais digno, como o senhor escreve, manter a compostura diante da morte e não demonstrar desespero? 
É difícil imaginar alguém que não sinta ou demonstre desespero em algum ponto do processo de morrer, mas ao mesmo tempo eu penso que há como transcendê-lo. Lembro que o meu grupo de pacientes com câncer, que deixei algum tempo atrás, tinha uma mulher que caía frequentemente em desespero, até que um dia ela apareceu muito mais vigorosa, muito mais viva e, quando eu perguntei o que havia acontecido, ela disse que havia decidido ser, para seus filhos, um modelo de como encarar a morte com elegância. Em outras palavras, encontrar um sentido no processo, mesmo que seja o processo de deixar a vida, pode nos ajudar a superar o desespero.

O envelhecimento parece um tema difícil para o senhor, mas, como ele surge bastate no livro, é preciso perguntar: como lida com ele hoje?
Eu tenho 84 anos e todos os dias testemunho o que é envelhecer. Sou abençoado por ter saúde física, mas poucos de nós escapam à perda da memória. Estou escrevendo um livro de memórias agora - algo apropriado para se fazer na minha idade - e sinto que deveria escrever rápido, enquanto ainda consigo lembrar tudo de que me lembro agora. Tenho sorte de ter uma parceira de vida, a minha mulher, que eu conheci aos 15 anos. Ela está ao meu lado e pode me ajudar com coisas que eu tenha esquecido. Todos nós, que envelhecemos, esquecemos palavras ou nomes e precisamos criar truques mnemônicos que nos ajudem a lembrar das coisas. Não acho que exista alguém com 80 anos que não tenha tido a experiência de entrar em um quarto sem saber por quê, por exemplo. Envelhecer é esquecer.

O senhor tem romances sobre Nietzsche, Espinoza e Schopenhauer. Vê muitas semelhanças entre a filosofia e a psicanálise? 
Anos atrás, quando era um estudante de psiquiatria, me vi descontente com os principais quadros de referência disponíveis - um esquema formal de psicanálise e um referencial médico-biológico. Foi quando me ocorreu que a psiquiatria não teria começado de fato no século XIX, com as descobertas de Freud e Jung, e sim remontaria aos textos dos grandes filósofos da antiguidade. Tem sido o trabalho da minha vida tentar tirar lições de grandes pensadores e escritores, como Epicuro, Plantão, Camus, Kierkegaard, Spinoza, Schopenhauer e muitos outros e aplicar seus pensamentos à psicoterapia.

No epílogo de Criaturas de um Dia, o senhor diz esperar que o livro aumente a sensibilidade dos terapeutas para temas existenciais, que são muito presentes em toda a obra. Com um assunto tão premente e o gosto claro por filosofia, por que o senhor nunca escreveu um romance sobre Sartre ou outro grande nome do Existencialismo?
É tudo uma questão de mortalidade. Se pudesse viver mais e continuar a escrever romances, eu com certeza consideraria escrever sobre Camus e Sartre, porque eles fizeram descobertas extraordinárias. Contudo, se a gente olhar de perto, vai ver que poucos romancistas continuam a escrever depois dos 80 anos de idade. Escrever um romance é uma façanha da memória. Quando faz um capítulo, você tem de ter em mente tudo o que aconteceu nos anteriores, desde a trama desenhada para o livro. Escrever é difícil, e por isso pode ter vida mais curta.

Em que medida um terapeuta precisa ser maduro e bem resolvido para atender com eficiência os seus pacientes? 
Sempre que meus alunos me perguntavam sobre a necessidade de treinar para atender, em um consultório, eu enfatizava que eles deviam fazer terapia, como pacientes. E sublinhava que deviam fazer isso várias vezes ao longo da vida, para lidar com questões que surgem com o tempo, como a angústia que vem com o envelhecimento. Eu fiz terapia durante toda a minha carreira. E, cerca de 30 anos atrás, comecei um grupo com outros nove psiquiatras - um grupo sem líder em que nos encontrávamos para trocar ideias e experiências, e que foi uma importante fonte de apoio e formação. Recomendo a todos os terapeutas.

Texto e imagem reproduzidos do site: veja.abril.com.br

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